Costureira de Sonhos

Costureira de Sonhos

 

Voltar

Excerto

"Todos os dias vinham pessoas tristes mandar confecionar sonhos. Mas, a minha mãe sempre foi muito inteligente. Sabia que os sonhos ilimitados eram com Deus, ela só fazia sonhos com princípio, meio e fim. Por isso passava-lhes a fita métrica pelo corpo. A fita era amarela de um lado e azul do outro, mas dos dois lados media o mesmo. Dizia-me ela que também os sonhos tinham sempre a mesma medida, mesmo quando os virávamos do avesso (como ela fazia com as presilhas das calças). E media-lhes então o peito, a barriga, as ancas, o tamanho das pernas, a distância que lhes ia do pescoço aos pés… apontava tudo em papel-manteiga, com um lápis grosso, números redondos para não haver engano.

Por vezes, as pessoas eram pequenas por fora, mas tinham grandes sonhos dentro delas, mas minha mãe sabia ver a diferença e nunca se enganava, tirava sempre as medidas certas. Debruçava-se sobre a mesa, estendia os moldes sobre os tecidos, desenhava as peças com um giz azul e depois cortava-as com uma tesoura grossa, muito grossa, mas que já se moldara aos dedos da minha mãe. E tudo começava de novo. De tempos a tempos, deixava que eu chuleasse umas peças, cosesse uns botões — colasse uma ou duas penas nas asas do sonho. Tudo o resto era com ela, incansável, noite fora, com a braseira acesa a enganar o frio do Inverno, a trabalhar, sempre a trabalhar.


— Mãe, ainda estás a costurar sonhos? — perguntava eu quando acordava noite dentro e a via ainda de agulha e dedal, alinhavando um tecido branco.

— Sim, meu filho, neste vestido vai o sonho de um casamento feliz!

Pensava, como seria triste este mundo se ela não cuidasse das pessoas, se não estivesse a zelar por elas como um anjo, vestindo-as de sonhos. E era neste pensar que eu adormecia vaidoso da mãe que tinha. E era quando a noite ia já longa, que o padeiro lhe vinha bater na janela, que o forno era ali mesmo em frente, à distância de um grito. Minha mãe derretia manteiga no pão quente, acabadinho de sair do forno, o seu único luxo, aquecia o leite, e só depois deste pequeno-almoço é que adormecia por umas horas. Poucas, que a vida cedo bate à porta de quem vive do trabalho.

E os sonhos da minha mãe, como seriam? — pensava eu tanta vez.  (...)"