Palavras naufragadas… (IN: Diário dos Infelizes)

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In: "Diário dos Infelizes", cap. 16 - Palavras naufragadas ________

 

“… Um dia, Tereza disse-lhe que estava grávida e abraçaram-se. Foi o abraço mais transparente de sempre, o mais limpo, o mais confortável, mas também foi o último grande abraço entre os dois, só que naquele instante nenhum deles se deu conta disso.

A partir daquele momento os braços da Tereza fecharam-se em torno do ventre que medrava e em torno da Elisa que, mais tarde, nasceu perfeita e linda. Rogério ficou fora do abraço mas nem se apercebeu, encantado que estava com a meiguice envolvente da filha; nem entendeu que outro amor se escoava pelas mãos abertas.

 

Desocupado. Era assim que se sentia agora.

 

Tereza foi saindo devagarinho de dentro dele, não fez as malas, apenas foi aconchegando a filha que trazia ao colo, cantando uma melodia de embalar, mas sempre a caminhar para longe, com a bebé ao colo, de costas voltadas para ele, ficando cada dia mais distante.

Foi então que descobriu que tudo faz eco no corpo dos homens desocupados, até o medo. Começou a sentir rumores por todo o lado, mesmo por dentro do corpo, rumores de fruta madura caída no chão, deslaçada da árvore. Podia perguntar à Tereza porque não o apoiava como homem, porque não o despia como homem, porque não o amava como homem, porque o deixava caído na ponta solitária da cama, sem uma carícia, um afago… Mas ele já não tinha palavras para tantas perguntas.

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Um dia percebeu que as palavras só existem se tiverem eco, se alguém mudar seu rumo depois de as escutar – o rumo do corpo ou do pensamento. As palavras só existem em quem as escuta, na boca de quem as profere são apenas um desígnio, um barco à procura de bom porto. Há palavras que são barcos naufragados, não chegam a qualquer lado e nunca regressam. Podemos morrer à espera de um barco ou à espera de uma palavra que está por vir.

 

Houve um tempo em que o Rogério tinha palavras para a Tereza e ela as esperava no cais amplo do seu ser; houve um tempo em que Tereza tinha palavras que aportavam no peito do Rogério. Houve um tempo, sim, houve um tempo em que, de lado a lado, as palavras tinham eco. Depois o eco perdeu-se e um dia, Rogério perdeu as palavras de tanto elas partirem sem regresso – foi quando se fechou dentro de portas, se fechou dentro dele e quase emudeceu.

(…)

Prémio Literário Ferreira de Castro 2019

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