Crónicas – Gazeta Lusófona (Suiça)

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_____ Reposição de artigos (ou excertos) publicados na Gazeta Lusófona (Suíça)

 

PORTUGAL: A EDUCAÇÃO QUE NOS PREOCUPA

(Um olhar sobre o futuro do nosso país)

O nosso país tem um potencial imenso, temos jovens talentosos, por isso temos de aspirar a mais. Temos de preparar os nossos jovens para serem protagonistas, não meros espectadores, da revolução tecnológica em curso. Portugal não pode continuar a formar cidadãos apenas para o básico, quando o mundo exige o extraordinário. O nosso futuro coletivo depende da nossa capacidade de mudar, de nos adaptarmos, de evoluirmos. E isso começa na educação.

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Há uma mudança de paradigma. Quando antes se criticavam os emigrantes pelo seu deficiente domínio da língua portuguesa – o que era compreensível, já que estavam diariamente imersos num outro idioma – agora são as pessoas que vivem em Portugal que parecem não dominar a sua própria língua. Portugal participou num inquérito da OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico, que visava analisar as competências dos adultos em literacia e resolução de problemas. Os resultados confirmam o que muitos já suspeitavam: o nosso país está a ficar para trás na corrida pelo conhecimento.

Os números são alarmantes: 40% dos adultos portugueses apenas conseguem compreender textos simples e fazer contas básicas. Numa competição entre 31 países desenvolvidos, ficámos em penúltimo lugar, apenas à frente do Chile. Esta realidade deve fazer-nos refletir profundamente sobre o futuro do nosso país. Mas o que mais preocupa não é apenas o presente – é o futuro.

Vivemos numa era de transformação tecnológica sem precedentes, onde a IA – Inteligência Artificial está a revolucionar todos os setores da sociedade. E aqui está o ponto crucial: muitos pensam que a IA virá resolver os nossos problemas de competências. Nada mais errado.

A tecnologia não vai compensar as nossas falhas – vai, isso sim, expô-las ainda mais.

O mundo do trabalho do futuro não precisa apenas de pessoas que saibam usar computadores. Precisa de pessoas que saibam pensar criticamente, resolver problemas complexos, adaptar-se a novas situações. E os números mostram-nos que apenas 2% dos portugueses têm elevada capacidade de resolução de problemas complexos. Como poderemos competir numa economia global cada vez mais sofisticada?

Portugal precisa urgentemente de uma revolução educativa. Não se trata apenas de ter mais computadores nas escolas ou de modernizar edifícios. Precisamos de mudar fundamentalmente a forma como ensinamos e aprendemos. Precisamos de desenvolver o pensamento crítico desde cedo, estimular a criatividade, ensinar a resolver problemas reais.

 

Repensar o modelo educacional

Por exemplo, quando alunos passam de anos sem exames onde possam provar os seus conhecimentos, estamos a eliminar uma ferramenta de verificação de aprendizagem, mas também a privar os estudantes de experiências essenciais de superação e autoconhecimento. Um exame é mais que um exame, desenvolve habilidades cruciais como responsabilidade pessoal, organização, gestão do tempo, resiliência e capacidade de lidar com pressão – competências indispensáveis para a vida adulta.

A falta de disciplina e de exigências básicas, cria uma geração com baixa tolerância à frustração e dificuldade em lidar com desafios, criando uma percepção distorcida da realidade, onde tudo parece fácil e sem obstáculos. Não há objectivos a conquistar, não há esforço, não há resultados. Estamos a infantilizar os jovens e com isso a formar uma geração com graves deficiências em habilidades cognitivas fundamentais.

O nosso país tem um potencial imenso, temos jovens talentosos, por isso temos de aspirar a mais. Temos de preparar os nossos jovens para serem protagonistas, não meros espectadores, da revolução tecnológica em curso. Portugal não pode continuar a formar cidadãos apenas para o básico, quando o mundo exige o extraordinário. O nosso futuro coletivo depende da nossa capacidade de mudar, de nos adaptarmos, de evoluirmos. E isso começa na educação.

João Morgado
Janeiro 2025

 


 

2024: O ano de Transformações Globais

Ucrânia: Chegou o momento de encontrar um imperfeito acordo de paz? (Em guerra não há acordos perfeitos, manter a guerra é também uma imperfeição). É que a guerra na Ucrânia está a levar o mundo para uma posição mais além deste conflito, está a juntar o eixo do mal numa aliança negra: Rússia & satélites, China, Coreia do Norte, Irão. Alimentar esta nova versão do mundo vai levar-nos para uma nova “Guerra Fria” e será um retrocesso civilizacional. No plano económico também estamos a criar uma nova fronteira com o fortalecimento dos chamados “Brics” (…) que deverão criar uma clivagem económica num mundo que tendia para a cooperação global. (…)

DEZ.24


A Inteligência Artificial: Uma Nova Era, Uma Nova Responsabilidade

A crescente capacidade das máquinas, contrastando com a passividade intelectual humana, cria um abismo cada vez maior. Com a culpa do homem por pecado de relaxamento intelectual (…) As máquinas deixaram de ser electrodomésticos, ganharam vida. Mas o perigo ainda não é a máquina se autonomizar – lá chegaremos. Para já, o perigo é o homem que se esconde por detrás da máquina. É do homem que devemos ter medo.

Perguntaram-me um dia se tinha medo que a Inteligência Artificial (IA)começasse a escrever livros? (Já o faz). Respondi e respondo, que tenho medo, sim, que a inteligência humana não seja capaz de ler e entender esses livros. A crescente capacidade das máquinas, contrastando com a passividade intelectual humana, cria um abismo cada vez maior. Com a culpa do homem por pecado de relaxamento intelectual.

A IA veio para ficar. Esta é uma realidade incontestável que moldará nosso futuro. Nos próximos anos – nos próximos minutos -, a IA transformará todos os setores da sociedade, da saúde à educação, da economia à arte. Mas o que é, afinal, a IA? Em poucas palavras, é a capacidade das máquinas de simular a inteligência humana, aprendendo, raciocinando e até criando com capacidade artística e cultural. É o exponenciar da inteligência humana, a uma celeridade estonteante. E onde fica o homem neste vórtice tenológico?  Acompanha ou é ultrapassado?

O medo da IA é compreensível. A substituição de empregos, o uso malicioso e a criação de um mundo artificialmente manipulado são preocupações legítimas. No entanto, a humanidade sempre temeu o desconhecido: os trovões, o fogo, a imprensa, a eletricidade, a energia atómica, a internet. A chave está em usar essas ferramentas com sabedoria. “A faca que corta o pão é a mesma que corta o dedo”, a culpa não é da faca em si, mas da utilidade que lhe é dada.

A IA pode revolucionar a medicina, a educação, a sustentabilidade. Na saúde, por exemplo, pode auxiliar em diagnósticos e tratamentos personalizados. Na educação, pode oferecer ensino personalizado. E na sustentabilidade, pode otimizar o uso de recursos.

Em vez de temer a perda de empregos, devemos preparar-nos para uma nova era. A IA criará novos empregos e exigirá novas habilidades. O desafio está em nos adaptarmos e em garantir que a transição seja justa para todos.

A questão central não é se a IA é boa ou má, mas como a utilizamos. Para garantir que a IA seja uma força para o bem, precisamos de um esforço global. Devemos criar um fórum internacional para discutir e estabelecer normas éticas para o desenvolvimento da IA. Precisamos de transparência nos algoritmos, de mecanismos de auditoria e de responsabilização. Precisamos aumentar o investimento em pesquisas sobre os impactos sociais e éticos da IA, bem como no desenvolvimento de tecnologias de mais seguras e justas…

Em suma, vivemos o que há uma década atrás seria um filme de ficção científica. As máquinas deixaram de ser electrodomésticas, ganharam vida. Mas o perigo ainda não é a máquina se autonomizar – lá chegaremos. Para já, o perigo é o homem que se esconde por detrás da máquina. É do homem que devemos ter medo. A IA representa uma nova era. Cabe-nos moldar essa era. Com uma abordagem responsável e ética, podemos garantir que a IA seja uma ferramenta para o bem da humanidade. A revolução do futuro já começou. A escolha é nossa. A responsabilidade também…

João Morgado

Set.24


A urgente agenda ambiental e a força indomável da natureza ferida.

Espanha viveu a ‘inundação do século’ em Valência, a 31 de Outubro, onde morreram mais de 300 pessoas (número que deverá subir nas próximas atualizações). O que aconteceu em Valência, é devastador. As imagens são horríveis, pelo sofrimento humano e pela destruição. Os satélites da Nasa, a agência espacial americana, conseguiram registar como ficou a paisagem afetada pela tempestade. Nas imagens, é possível ver como a costa marítima, transbordou, e os territórios vizinhos a sul ficaram completamente inundados numa diferença de apenas 24 horas. Nalgumas áreas, choveu o equivalente a um ano em apenas oito horas. A Agência Estatal de Meteorologia de Espanha (AEMET) afirma que na zona de Chica, em Valência, se acumularam 491 litros por metro quadrado em oito horas, o que é “extraordinário”. Inundadas pelas torrentes de água e lama, as pessoas ficaram presas nas suas casas, nas garagens, os carros foram arrastados quando as pessoas procuravam fugir da área, e as pontes arrancadas das suas fundações.  Algo semelhante tinha acontecido no Brasil, em Abril deste ano. As cheias afectaram 2,4 milhões de pessoas em todo o estado do Rio Grande do Sul. Podemos falar dos EUA ou da Indonésia. Ou seja, de um fenómeno global.

As grandes alterações ambientais dos últimos dez anos alteraram profundamente o equilíbrio da Terra, com impactos crescentes nas condições de vida. O que parecia um discurso técnico e uma longínqua visão catastrofista, é hoje o nosso presente. No quotidiano, as pessoas experienciam cada vez mais os efeitos diretos da crise climática, cheias, tufões, incêndios, tempestades. O homem enfrenta a força indomável da natureza ferida.

Estas alterações climáticas, são intensificadas pela ação humana, e incluem fenómenos como o aumento das temperaturas médias globais, a perda acelerada de biodiversidade, o agravamento de eventos climáticos extremos e o impacto na qualidade do ar e dos recursos hídricos. E os que ainda insistem em fechar os olhos, e achar que este é um problema dos outros, não percebe que já estamos todos a pagar os efeitos climáticos. As ondas de emigração tanto na ordem do dia, acreditem, também são (entre outros motivos) causadas por mudanças climáticas, que deixam zonas do planeta áridas, sem água e sem agricultura de subsistência. E todos nós já sentimos o aumento dos custos de vida pelos alimentos mais caros, e uma necessidade de adaptações, como limitações no uso de água.

O Acordo de Paris, assinado em 2015, estabeleceu objetivos globais ambiciosos para limitar o aumento da temperatura média global a 2°C (preferencialmente 1,5°C) acima dos níveis pré-industriais. No entanto, vários fatores têm dificultado o cumprimento destes objetivos, por exemplo, interesses económicos dos grupos industriais ligados ao petróleo, gás e carvão, e os lobbies de sectores como os da construção, transporte, aviação e agricultura industrial que temem aumentar os custos e diminuir a competitividade. Esta pressão leva à resistência de nações como a China, os EUA, a Índia e países do Médio Oriente, que são grandes emissores e dependentes de energias fósseis. Isso remete-nos para a falta de consenso ou de continuidade nos governos em relação às políticas ambientais, o que afeta a capacidade de realizar mudanças consistentes.

A “nossa” Europa (UE) tem assumido uma posição de liderança e vários dos países da União têm pressionado por metas mais ambiciosas. Alguma coisa foi feita. Foi lançado o Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), em 2019, que visa transformar a Europa no primeiro continente neutro em carbono até 2050. Para tal, a UE comprometeu-se a reduzir as emissões em pelo menos 55% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. A Europa tem incentivado o desenvolvimento de energias renováveis, como a solar e a eólica, e promovido a transição para veículos elétricos e transportes públicos sustentáveis. Ainda que estas energias verdes estejam a acarretar outros distúrbios ambientais. A UE implementou o Sistema de Comércio de Emissões (ETS), que obriga setores altamente poluentes a pagar pela emissão de carbono. Recentemente, a UE aprovou o Mecanismo de Ajuste de Carbono Fronteiriço (CBAM), uma “taxa de carbono” sobre produtos importados que emitem grandes quantidades de CO₂, incentivando assim a sustentabilidade também fora da Europa.

É importante ensinar as crianças a reciclar, mudar a mentalidade das novas gerações, mas é importante olhar para a urgência das medidas de hoje – imediatas e com substância, pois neste momento o tempo urge e a natureza está revoltada. O dinheiro ou o gastamos na implantação de medidas preventivas, ou o gastamos no apoio às vítimas de caos climático. Mas, as vidas, quem as paga? Por isso é urgente colocar o ambiente nas nossas medidas políticas, e exigir dos nossos representantes que tenham o ambiente como prioridade para merecerem o nosso voto. Este não é apenas um tema bonito da agenda mediática ou de partidos de esquerda, é uma urgência. Alguém tem ainda dificuldade em entender isso?

João Morgado

Out.24


 

Um Legado Cultural Global e a Realidade Interna

Portugal: herdeiros pobres de um rico império, tiveram de emigrar

Foi por dar tanto ao mundo sem pensar em nós, que os herdeiros pobres de um rico império tiveram de emigrar. Se realmente tivéssemos roubado o mundo, como dizem alguns ignorantes, não nos teríamos tornado num país de emigrantes. Emigração é um sintoma de carências, não de luxos.

Portugal, situado na extremidade ocidental da Europa, possui uma história de encontros e desencontros com o mundo. Este pequeno país desempenhou um papel desproporcionalmente grande na formação da história global, muitas vezes sacrificando o seu desenvolvimento interno em prol de uma visão mais ampla e globalizada. O percurso português é uma narrativa de exploração, intercâmbio cultural e também de falhas, refletindo as complexidades e contradições de cada época histórica.

No século XV, Portugal iniciou a sua Expansão Marítima. Navegadores como Bartolomeu Dias, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães que não só mapearam novas rotas marítimas, mas, sobretudo, abriram caminho a um fluxo de contactos e intercâmbios com culturas distantes na África, Ásia e América, construindo pontes que moldaram o mundo e nos levaram até ao que somos hoje.

A expansão marítima portuguesa levou a língua e a cultura portuguesas a quatro continentes. Hoje, o português é falado por mais de 220 milhões de pessoas, espalhadas pelo Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, entre outros. A lusofonia representa uma rica tapeçaria cultural, unindo povos diversos mediante uma língua comum.

Apesar das conquistas globais, Portugal negligenciou frequentemente o desenvolvimento no seu território de origem, o pequeno rectângulo europeu. A obsessão com o império levou a um esgotamento de recursos e a uma falta de investimento na infraestrutura interna e no bem-estar da população. Enquanto o país espalhava cultura e conhecimento pelo mundo, os locais viviam na pobreza e o desenvolvimento industrial ficou aquém de outros países europeus.

Ao contrário do que muitos afirmam, a riqueza gerada pelos vastos territórios do Império beneficiou raramente a maioria dos portugueses. Tiram pequenas décadas de algum luxo, como já referi nos meus livros, na grande maioria do tempo, gastámos a água da fonte para manter a fonte, ou seja, gastamos as riquezas daqueles territórios a manter e desenvolver aqueles próprios territórios, criando estruturas económicas, culturais, religiosas, sociais… a defender as suas fronteiras. Por exemplo, o Brasil não teria aquela dimensão imensa se não fosse os esforços dos portugueses em desmatar território, em a organizar a sua sociedade e em  defender as suas fronteiras. Caso contrário, estaria espartilhado como aconteceu com os territórios de influência espanhola.

Enquanto isso, por cá, no Portugal de origem, tudo estava em “banho de Maria”, subdesenvolvido, atrasado, adiado… foi por dar tanto ao mundo sem pensar em nós, que os herdeiros pobres de um rico império tiveram de emigrar. Se realmente tivéssemos roubado o mundo, como dizem alguns ignorantes, não nos teríamos tornado num país de emigrantes. Emigração é um sintoma de carências, não de luxos.

Como todas as nações, ao longo da sua história, Portugal teve momentos que merecem reflexão. A escravidão, o colonialismo e a opressão de povos indígenas são capítulos sombrios que não podem ser ignorados. No entanto, é importante contextualizar estas ações na mentalidade da época. As grandes potências europeias da altura estavam todas envolvidas em práticas similares, movidas por uma combinação de ambição económica e a crença na superioridade cultural e religiosa. Mais que julgar, importa contextualizar e compreender. Como importa, reconhecer o contributo que continuamos a dar a todos os países da lusofonia, num diálogo e numa partilha cultural, científica, social e económica. É essa a nossa reconciliação histórica. Uma reconciliação natural, não ditada por umas alarvadas de circunstância, mas pelo sentimento intrínseco de cultura comum, de destino comum, que nunca nos abandonou. Acredito que Portugal deu mais ao mundo do que recebeu em troca, deixando um legado cultural e histórico que nos deve honrar. Embora tenhamos cometido erros, como todas as nações, a capacidade de reconhecer e aprender com esses erros é um sinal de sabedoria. A capacidade de, em comum, podermos olhar em frente, é sinal de maturidade dos povos.

João Morgado

JUN.24


 

Influenciadores: os Ídolos de Barro na Era do Vazio

O que valem Aristóteles ou Platão comparado com os novos influenciadores de fitness que vendem planos de dieta e rotinas de exercícios? O afã de conhecimento foi substituído pela demanda da aparência perfeita. As palavras de Sócrates, “conhece-te a ti mesmo”, são hoje reformuladas para “admira-te a ti mesmo” para que os outros de admirem. O que pode este artigo contra um ‘post’ de 200 caracteres no Instagram, como uma menina em biquíni na piscina de um hotel de luxo? Nada. A aparência vale mais do que a substância e a beleza torna-se a moeda corrente, enquanto o pensamento parece ser uma relíquia do passado.

 

Neste singular tempo de ‘selfies’ e ‘likes’, onde a realidade é mascarada de filtros e a exibição impera sobre a substância, surge uma figura peculiar: o ‘influencer’. Mas quem são esses novos gurus da era digital? Profetas de tendências passageiras ou meros representantes de uma cultura do vazio?

Há não muito tempo, eram os intelectuais, os artistas, os filósofos que revolucionavam o pensamento e inspiravam a sociedade. Hoje, os ‘influencers’ dos tempos modernos são, na sua maioria, figuras que alcançaram fama através das redes sociais, em que as piadolas e a exposição do corpo perfeito num lugar aprazível, fazem disparar o algoritmo certo. Kim Kardashian, com seu império multimilionário baseado em selfies e ‘reality shows’, é um exemplo perfeito, para não ferir susceptibilidades mais portuguesas… As televisões avançam pelo mesmo caminho com uma programação a cada dia mais fútil e rasa, com programas a apelar ao mais básico do ser humano e com entrevistas a um círculo restrito de ‘figuras de papel’ (Os canais de informação são uma realidade, mas não isenta de críticas).

Então, quais são os valores deste superficial mundo mediático? A aparência vale mais do que a substância e a beleza torna-se a moeda corrente, enquanto o pensamento parece ser uma relíquia do passado. Mas, a modelação das imagens, leva-nos para um mundo de filtros e arranjos digitais, que apresentam uma realidade maquilhada e a tender para uma perfeição que não existe. O filósofo francês Gilles Lipovetsky descreve a nossa era como a “era do vazio”, onde o narcisismo e o hedonismo ditam as regras. E pergunto, o que mais está para vir com a inteligência artificial, a sua capacidade de manipulação da realidade, e a criação de realidades paralelas? Hoje, por exemplo, milhares seguem páginas de figuras que nem sequer são reais. Por exemplo, com mais de 12 mil seguidores no Instagram, Olívia C. é uma ‘influencer’ portuguesa que partilha conteúdos sobre viagens, arte, moda, gastronomia, poesia, música… mas, na verdade, não existe. Trata-se de uma “viajante artificial”, criada com recurso à Inteligência Artificial (IA) por um estúdio português.  Jean Baudrillard, na sua obra “Simulacros e Simulação”, sugere que a realidade é substituída por simulacros – representações que se desprendem e afastam do real (Baudrillard, 1981). É exatamente isso que vemos hoje: uma realidade mediada e distorcida pelas redes sociais e outros ‘media’.

O que valem Aristóteles ou Platão comparado com os novos influenciadores de fitness que vendem planos de dieta e rotinas de exercícios? O afã de conhecimento foi substituído pela demanda da aparência perfeita. As palavras de Sócrates, “conhece-te a ti mesmo”, são hoje reformuladas para “admira-te a ti mesmo” para que os outros de admirem. O que pode este artigo contra um ‘post’ de 200 caracteres no Instagram, como uma menina em biquíni na piscina de um hotel de luxo? Nada.

Sempre podemos alegar que estão a chegar a este mundo algumas páginas mais interessantes, Neil deGrasse Tyson, que usa a sua plataforma para promover a ciência e o pensamento crítico, ou Malala Yousafzai, que luta pela educação e direitos das mulheres. Infelizmente, são ainda excepções que confirmam a regra.

Nesta era do vazio, a cultura da imagem suplantou o conhecimento, a trivialidade suplantou o pensamento crítico e o fugaz substituiu as obras-primas. Se Andy Warhol dizia que no futuro todos teriam os seus quinze minutos de fama, nem ele próprio previa este turbilhão das redes sociais e a exposição avassaladora das intimidades em busca dessa fama, de uma forma diária e obstinada.

E o que podemos esperar das novas gerações? Crescem num ambiente onde o conhecimento é descartável, substituído por informações rápidas e superficiais. Quem precisa ler um livro quando pode assistir a um vídeo de 30 segundos que “explica tudo”? Como diria Albert Einstein, “É apavorante ver como a tecnologia ultrapassou a nossa humanidade” (Einstein, 1946). Estamos a criar uma legião de espectadores passivos, incapazes de questionar o que veem, contentes em aceitar o superficial como uma verdade – por isso, são vítimas de ‘fake news’ que crescem e se se expandem de forma exponencial.

Vivemos numa era em que preferimos o fácil, o rápido e o bonito ao difícil, ao profundo e ao verdadeiro. E se continuarmos nesse caminho, corremos o risco de criar uma sociedade de idiotas bem-vestidos, como uma vez alertou Umberto Eco. Precisamos urgentemente de imbuir as novas gerações do valor do conhecimento, da reflexão e da verdadeira arte. Caso contrário, estaremos condenados a viver na era do vazio, esmagados pelo peso do nada.

João Morgado

JUL.24

 


 

Se os políticos falham, falhamos como povo que os elegeu.

Quando celebramos os 50 anos do ’25 de Abril’, Revolução dos Cravos, precisamos refletir sobre o significado deste marco histórico. É uma data de profundo simbolismo para Portugal, uma revolução que trouxe um amanhecer da liberdade e esperança para uma sociedade cansada da repressão e do autoritarismo. O ’25 de Abril’ de 1974 representou uma transformação radical no cenário político e social de Portugal. A derrubada da ditadura abriu as portas para uma nova era de direitos e liberdades, e lançou as bases para o país que conhecemos hoje. Entretanto, comemorar esta revolução apenas como um evento histórico é um erro. Devemos lembrar-nos dos valores pelos quais os cravos foram levantados: Descolonização, Democracia, Desenvolvimento.

Se por um lado, nesta ocasião tão especial, é de evitar erguer um memorial saudosista ao passado, também é importante não ter um olhar romântico sobre este percurso de cinco décadas.

A Descolonização foi uma tragédia para muitos portugueses, e a forma como foi feita acabou por ser uma tragédia para muitos povos africanos que se viram mergulhados em guerras internas, em mortes, doenças, pobreza, regimes autoritários… quando tinham tudo para continuarem a ser países desenvolvidos.

O Desenvolvimento de Portugal aconteceu pelo grande investimento da Europa e se, hoje, somos naturalmente um país bem diferente do que éramos há 50 anos, também é verdade que a nossa curva de crescimento e evolução é pálida em relação ao que aconteceu a outros países que mais tardiamente entraram na Comunidade Europeia. Portugal encontra-se na 20.ª posição na União Europeia em PIB ‘per capita’. Mas, as previsões de Bruxelas para o PIB ‘per capita’ apontam para que Portugal possa cair para 22.º lugar na União Europeia em 2024, se Polónia e Hungria recuperarem.

A Democracia, conquistada com tanto sacrifício, também não está imune às ameaças modernas. As desigualdades sociais persistem, a imensa corrupção continua a corroer a confiança nas instituições, a degradação do ensino, da saúde, da justiça, e o populismo e a desinformação, ameaçam a coesão social. Celebrar o ’25 de Abril’ sem abordar essas questões seria uma negação do espírito revolucionário que impulsionou a mudança em 1974.

Assim, neste ano de comemorações, devemos ver o ’25 de Abril’como um convite para repensar e reinventar a sociedade que queremos construir. Menos discursos do passado, menos frases feitas, menos palavras de ordem nas ruas, e mais empenho de cada um no compromisso com a democracia e o desenvolvimento do país, tendo uma atitude mais civilizacional, uma cultura política madura e racional, e um envolvimento das gerações mais jovens nessa missão. Políticos somos todos nós, pois são os cidadãos a base de um processo de tomada de decisões que vão organizar a sociedade e eleger os “políticos” que terão um papel ativos nesse processo. Eles são a nossa escolha e a nossa responsabilidade. Se eles falham, nós falhamos enquanto povo que os elegeu, e temos de ter sentido critico e capacidade de mudança. (…)

 


Já “leram” um áudio-livro?

Foi-me oferecido pelo seu autor, o brasileiro Gilberto Gouma, em Dezembro de 2021. “Impar” – é um livro de contos sobre as relações humanas, sobre amores e desamores, encontros e desencontros.

Confesso que o livro andou na minha secretária mais de um ano, sempre de leitura adiada. Levei-o de férias comigo e regressou por abrir. Mas, por estes dias, chegou o seu tempo. Em boa hora, comecei a sua leitura na passada manhã de domingo.

Para além da sua qualidade narrativa e da criatividade do seu ‘design’, falo do livro porque, para além da edição em papel, proporciona também o áudio de todos os contos. Diferentes vozes, com notáveis leituras, canções, trilhas musicais e efeitos sonoros… tornaram a audição apelativa e enriquecedora. À tarde, na varanda de minha casa, permiti-me fechar os olhos, aproveitar o calor do sol que me batia na cara, beber um digestivo e continuar a deliciar-me com os excelentes contos de Gilberto Gouma.

Pensei em todos os que dizem não ter paciência para ler, os que perderam o hábito ou a capacidade de ler – eis uma solução. Pensei em todos os que gostam de livros, mas pela idade ou por doença, já não conseguem ler – eis aqui uma alternativa. Em última instância, os que estão presos noutras actividades, ainda assim, podem acompanhar estas leituras com um mínimo de atenção. Tenho um empresário amigo meu que, aproveita as suas longas viagens, para “ouvir” alguns livros clássicos que a sua vida agitada não lhe permite ler.

Sou dos que gostam do papel, do livro tradicional, mas creio que é a hora de nos abrirmos às diferentes alternativas: as plataformas áudio, as versões animadas, os e-books. O importante é não perdermos o contacto com o muito que a literatura tem para nos dar. Algo mais profundo que o interminável dedilhar de um telemóvel cheio de ligeirezas e coisas efémeras.

E vocês, já “leram” um áudio-livro? – Qual foi a vossa experiência?

João Morgado

JAN.24

 


“The economy, stupid!”

 

Conhecem a alegoria da caverna, de Platão? É uma alegoria de intenção filósofo-pedagógica, escrita pelo filósofo grego Platão, na obra intitulada “A República” (Livro VII). Pretendia exemplificar como o ser humano se pode libertar da condição de escuridão, que o aprisiona, por meio da luz da verdade. Em termos simples, a alegoria falava de pessoas que, acorrentadas viam nas paredes das cavernas, umas sombras provocadas pela luz de uma fogueira. Platão dizia que, para os prisioneiros, aquelas sombras eram a sua realidade, dado que não conheciam outra. E que, se um dos prisioneiros fosse libertado e forçado a olhar para o fogo e para os objetos que faziam as sombras, a luz iria ferir os seus olhos e tentaria voltar para a caverna, para aquilo a que estava acostumado, podia ver e acreditava.

Os holofotes da Comunicação Social também nos oferecem “sombras” que nós tomamos por verdades absolutas. Somos eternos “prisioneiros” e não nos damos conta.

Quando frequentei uma pós-graduação em Marketing Político, um professor da Universidade de Madrid, que trabalhara nos serviços de inteligência da NATO (já na reserva),disse-me algo que nunca esqueci: “A Coca-Cola é brincadeira. As grandes campanhas de marketing, começam, quando começam as notícias!” Depois enunciou vários acontecimentos internacionais em que ele tinha participado militarmente, e fez-nos compreender como todos tínhamos sido enganados. A invasão do Iraque, a guerra no Kosovo, e outros tantos acontecimentos… durante dois dias estive colado numa cadeira a ouvi-lo, incrédulo. Como um “prisioneiro libertado” em que a luz lhe feria os olhos, a luz do saber, do entender, do aperceber de que a realidade não eram as “sombras” que nos tinham sido oferecidas pela Comunicação Social.

Hoje, muitas pessoas continuam a não querer olhar para a luz, preferem continuar a acreditar nas versões oficiais. Preferem voltar para a “caverna” onde se sentem mais confortáveis. Querem acreditar que uns são os “bons” e os outros os “maus”. Parece-lhes mais aceitável o mundo. Como quando contamos contos de fadas às crianças, para eles poderem dormir sem medos.

Muita gente continua a ser uma criança grande, continuam a precisar que lhes contem histórias que os deixem dormir sem pesadelos. Não querem fazer perguntas com medo das respostas. Odeiam quem lhes dê uma versão diferente dessa história. Insultam quem se atreve a pensar, a dúvidar, a levantar questões.

Por mim, há muito que percebi, que a realidade do mundo não é a que nos contam. Não é, nem nunca foi. O mundo não é a preto e branco. E detesto tanto os ditadores como os hipócritas que nos contam histórias de fadas, os assassinos como os cobardes, os ditadores como os tiranos dissimulados de democratas. E detesto que, no fim, chegue sempre à velha frase: “The economy, stupid!”. É sempre a economia que movimenta o mundo, não os valores humanos, não o ambiente, não a democracia, não porra nenhuma de jeito, que não seja a economia. Somos tão estúpidos em acreditar no contrário. Já agora, acham que tudo o que se passa em torno da Ucrânia, é sobre o quê?

João Morgado

DEZ.23

 


ISRAEL PODIA TER SIDO EM ANGOLA

Depois de anos de perseguições, a comunidade judaica entendeu que necessitava o seu próprio estado, a sua “terra prometida” por Deus. Por razões históricas e religiosas a primeira opção passava pela Palestina mas esbarrava com a resistência das nações árabes. Foram equacionadas outras opções. Nos finais do séc. XIX surge a hipótese de Portugal, ainda detentor de um vasto império. Em 1886, aquando da visita a Portugal de Nathan Mayer, Barão de Rothschild, proeminente banqueiro judeu e político do Reino Unido, o conde de Ouguela terá sido contactado pela Aliança Israelita Mundial e por membros da comunidade israelita portuguesa, para lhe proporem que os judeus russos e romanos se refugiassem no nosso território. O assunto chegou a ser estudado mas nunca avançou.

Em 1905, o Congresso Sionista volta a colocar opções sobre a mesa, mas sem chegar a conclusões. Mais tarde, a Organização Territorialista Judaica (ITO), liderada por Israel Zangwill, retomou a hipótese de Angola, sugerida por por Abraham Anahory em 1886. A ideia só veio a ganhar corpo após a implantação da República, em 1910. O planalto de Benguela, em angola, surgiu como uma opção. Foi um judeu russo que estava radicado em Portugal que liderou o projecto. Em 1912, Wolf Terlö apresentou um projeto-lei à Câmara de Deputados, propondo concessões de terra a imigrantes israelitas em Angola. Após acesos debates, olhando os prós e os contras, a proposta, foi aprovada em junho de 1912. Era uma forma de ajudar a povoar o território de Angola, já que Portugal só dominava o litoral de Angola. Com isso ajudava a defender o território e a suster a pressão do império britânico. Para além da entrada prevista de um milhar de famílias, entrava capital, o que ajudaria a desenvolver os territórios. E a proposta previa ainda que todos os judeus se naturalizassem portugueses.

Um antigo governador de Moçambique, Freitas de Ribeiro, mostro-se crítico em relação à extensão do território cedido à comunidade judaica  –  45.000 km² do Planalto de Benguela, o que equivaleria a metade do território português -, e ironizou: “ Cavalheirescamente, às perseguições da Idade Média, contrapomos este projeto de colonização judaica. Oxalá seja coroada de êxito, esta generosa penitência da República”.

Acontece que o projecto acabaria travado no Senado, pois ganhou peso o medo de estar a criar um “Estado dentro de outro Estado” pelo que nunca foi votado pelas duas câmaras e acabou frustrado. Entre a comunidade internacional judaica, esta solução também não era unânime. Uns defendia esta solução, outros consideravam-na provisória, mas a maioria defendia que a pátria judaica tinha de ser no Monte Sião, onde se edificara o Templo de Salomão. Ou seja a “Terra Prometida”, aquela mesma terra que o Salmo 137 garantia que, se o desterrado alguma vez a esquecesse, a sua mão secaria e a sua língua ficaria colada ao palato. Ou seja, teriam de regressar a Sião, na Palestina do século XX.

Mais tarde veio a I Guerra Mundial. A presença judaica aumentou na Palestina, sob domínio inglês, o que gerou uma forte reação no território. Os judeus formaram grupos paramilitares para se defenderem, e os árabes, por sua vez, formaram forças militares para lutar contra o domínio britânico na Palestina e encerrar a migração judaica para a região. Depois veio a II Guerra. Depois das atrocidades cometidas uma vez mais contra a nação judaica, era urgente encontrar uma solução. A solução partiu da Organização das Nações Unidas que, a partir da Resolução 181, aprovou a divisão do território da Palestina. A 14 de maio de 1948 foi proclamada a fundação de Israel. Os judeus, que eram 30% da população, ficariam com 53,5% do território e o restante ficaria entregue aos palestinos. A cidade santa de Jerusalém ficaria sob controle internacional, o que os sionistas acataram mas os palestinos não. Os distúrbios e as guerras continuam até hoje.

Assim, o projeto judaico em Angola, que poderia ter transformado a paisagem da região, Portugal e o mundo, ficou nas sombras da história.

Se tivesse avançado, teríamos testemunhado uma mudança radical na demografia e na dinâmica social da região. A presença judaica poderia ter contribuído para o desenvolvimento económico, científico e cultural de Angola. Talvez o mundo fosse um pouco mais pacífico.

OUT.23


Dois Papas nascidos em Portugal…

Sabem quem foi o português com mais poder no mundo? Muito mais que António Guterres que está sentado na ONU? Temos de recuar ao séc. XII, para ir ao encontro de Pedro Julião, conhecido como Pedro Hispano, padre, médico, filósofo, professor e médico em Paris e Siena, alquimista com fama de mago. Trabalhou junto de alguns papas e chegou a cardeal de Túsculo (Itália). Em 1276, foi eleito Sumo Pontífice.

Por então o cargo mais importante no mundo cristão: era o representante de Deus na Terra, podia legislar matéria eclesiástica, tinha a possibilidade de excomungar pessoas – inclusivamente reis, e mesmo derrubá-los do trono. Podia declarar guerras, negociar a paz. Tinha exército, um tesouro ímpar e um poder sem rival na Idade Média.

Deixem-me referir algumas particularidades:

Primeiro, foi eleito num dos conclaves mais pequenos de sempre. Entre doenças e mortes, apenas nove cardeais participaram na decisão. Mesmo assim, demoraram um mês para chegar a um acordo.

É que o português era um verdadeiro intelectual, mas não pertencia a nenhuma família da nobreza romana. Caminhou por entre as rivalidades dessas mesmas famílias e conseguiu o lugar num equilíbrio de forças.

Outra curiosidade, é que foi também um dos papados mais curtos da história. Apenas oito meses, pois viria a morrer num acidente.

Pedro Hispano era um erudito e um estudioso e reservou para uso pessoal um anexo do palácio papal em Viterbo, para onde se retirava com alguma frequência para poder trabalhar com maior sossego. O tecto do edifício ruiu e viria a morrer em consequência dos graves ferimentos.

Tinha fama de Mago – o que levava a muitas críticas. E logo houve quem atribuísse a morte aos seus experimentos científicos ou ciências ocultas. Por isso, muitos acreditaram ser um… castigo divino.

Ainda assim, deixou grandes escritos no campo da medicina e da filosofia. Há dúvidas sobre a autoria de alguns livros atribuídos a Pedro Hispano, mas um deles é aludido por Dante na Divina Comédia. “O Tesouro dos pobres” que tratava de doenças e respectivas curas, e que teve cerca de uma centena de edições e traduções para 12 línguas. Um verdadeiro ‘best-seller’!

Diz-se que, quando Miguel Ângelo adoece gravemente dos olhos, devido ao intenso trabalho na pintura da Capela Sistina, viria a encontrar remédio numa receita de Pedro Julião.

Outra curiosidade é o facto de se chamar João XXI quando, na verdade, nunca existiu um João XX na lista dos papas católicos. Um erro tamanho, parece estranho. Quem teria usado o título de Papa João XX e viu o seu nome riscado das listas papais? – Há relatos que falam da eleição de um Papa, de que se viria a descobrir que era mulher. Mas é uma lenda.

Outra curiosidade é ter sido o único papa de fala portuguesa eleito até hoje. Mas isso não significa que tenha sido o único Papa a nascer… em território de Portugal.

Temos ainda, o Papa Dâmaso, irmão de Santa Irene. Ocupou a cadeira de S. Pedro entre o ano 366 e 384. O reino de Portugal ainda não existia, mas ele terá nascido na região de Guimarães, no ano de 305. Podemos dizer que é português… por antecipação! Referir que São Jerónimo – autor da primeira tradução latina da Bíblia – foi um seu colaborador directo.

AGO.23

 


Viajar é morrer… e renascer em tolerância!

Por vezes perguntam-me: se ganhasses o euromilhões, o que comprarias? Repito sempre que, comprava apenas bilhetes de avião. Viajar é uma das preciosidades da vida.  

Escreveu Miguel Torga no seu “Diário” (1937) que, “viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.” É bem certo. Gosto da expressão “deixar de ser manjerico à janela”, ou seja, deixar a delicadeza da nossa zona de conforto, para enfrentar reptos, para enfrentar o desconhecido. Foi esse arrojo, que formou os navegadores que nos deram a época gloriosa da expansão marítima portuguesa. Exactamente, para falar destes intrépidos marinheiros, estive recentemente nas ilhas de Bali, Indonésia, a participar no Ubud Writers & Readers Festival.

É sabido que são umas ilhas de espantosa beleza, a internet mostra isso. Mas, para ver a paisagem humana é preciso estar lá e ter a ousadia de ir além dos resorts turísticos, contactar as pessoas, comer num restaurante de rua, andar de mota, vestir uma roupa tradicional para entrar nos templos, acender incenso… se vamos a Paris é fugir da torre Eiffel, se vamos a Londres temos de deixar de ver as horas no Big Ben. É preciso conhecer as ruelas longe dos cartões turísticos, onde estão as pessoas reais e a cultura local. Este mergulho noutras culturas nunca deixa que regressemos iguais. Vou guardar de Bali a generosidade da natureza e das pessoas. A simplicidade daquelas gentes que, nos acolhem com sorrisos, nos mostram os seus deuses, e partilham a sua alegria pelas ruas.

O festival de Ubud reuniu mais de 150 escritores e investigadores de todo o mundo – também músicos e pintores -, e teve umas largas centenas de participantes. E neste caldo cultural com variadas gentes a defender as suas culturas e os seus pensares, foi importante notar o clima de partilha e contentamento que se vivia. Havia um denominador comum: a tolerância, a que Gandhi chamava “a lei de ouro do comportamento humano”.
Não deixa de ser contrastante com o que se vive hoje no mundo, onde crescem os extremismos sociais, ideológicos e económicos, onde a violência das ruas e as guerras entre povos ganham uma dimensão assustadora. Temos de travar esta onda gigante e avassaladora. “Há um limite em que a tolerância deixa de ser virtude”, ensinava Edmund Burke. Mas, é preciso viajar para vermos que há mundos diferentes daqueles que nos entram em casa pela comunicação social sedenta de sangue e ódio.

Perceber que o entendimento entre pessoas de diferentes origens ainda é possível e enriquecedor. Queria deixar-lhes aqui esta mensagem de esperança, talvez ingénua, mas que muito me alentou após esta viagem onde me pude desfazer em espanto pelo mundo além. Séneca dizia que quando fugimos, seguimos em companhia de nós próprios e rematava: “é de alma que precisas de mudar, não de clima.” Mas, meus amigos, mudar de clima ajuda muito ao renascer da alma que viaja connosco.

João Morgado
Nov.23

 

 


Que falta nos faz Eça de Queirós

Dia 16 de Janeiro, a RTP estreia uma série fabulosa: “O Crime do Padre Amaro”. Tive a oportunidade de assistir à estreia e recomendo vivamente que não percam esta grande realização, em directo ou na RTP Play. Vão encontrar um alargado naipe de grandes actores, uma fotografia cuidada, uma dinâmica de acção que nos prende – a impressão digital de Leonel Vieira, o realizador e produtor.

Eça de Queirós foi o mais importante escritor do realismo português e regressar ao seu mundo ficcional é sempre um prazer. As suas personagens tornaram-se icónicas na literatura portuguesa. Afastando-se do romantismo que fazia furor em Portugal, Eça lançou um olhar reprobatório à sociedade de então, com duras críticas à burguesia portuguesa, à classe política e à corrupção da Igreja. A classe com que expunha o ridículo da sociedade nos seus romances, valeram-lhe a intemporalidade. Com as devidas diferenças, a verdade é que podemos regressar aos seus textos e olhar para os dias de hoje, tendo-os como actuais.

E pergunto-me, que livros escreveria o Eça de Queirós do século XXI?

Nestes tempos modernos, quem seriam os inspiradores das suas personagens? Sobre quem recairiam as farpas do seu olhar aprimorado e crítico?

Quem seriam os padres ‘Amaro’ numa igreja católica a tropeçar na pedofilia? Que diriam os seus personagens, dos emergentes movimentos LGBTQIA+, da eutanásia, do aborto?

Que falaria da ‘socialite’ das revistas cor-de-rosa? Dos novos ‘influencers’ sociais? Das paroladas televisões a que estamos sujeitos? Das intimidades expostas no ‘reality shows’?

Que palavras de escárnio teria para os estados desunidos da Europa? Quem seriam as figuras d’Os Maias actuais, num Portugal com figuras como José Sócrates, Cavaco Silva, ou governo esboroado de António Costa? Voaria na TAP para Paris?

Que livro escreveria sobre banqueiros como Oliveira Costa, Ricardo Salgado ou o malogrado João Rendeiro?

Que falta nos faz Eça de Queirós para caricaturar os tempos que vivemos, e para nos recordar que ainda assim, a realidade consegue ser bem mais inventiva que a ficção dos grandes escritores. A sociedade alienada dos telemóveis, das redes sociais, das novelas e sensaborias, nem se apercebe do vazio em que se vive, em que a arte de uns é vencida pelo espalhafato de outros, os valores de uns são derrotados pelos expedientes ordinários de muitos, em que o ser é substituído pelo parecer. Mas, quem sabe, o mais certo é que Eça de Queirós não vendesse um único livro nos tempos modernos, com os top’s das livrarias inundados por pechisbeques de frases feitas, com os venais jornalistas a regurgitar sinopses de livros que não leram. A quem interessava um escritor incómodo?

 

JAN:23


 

 

“The economy, stupid!”

Conhecem a alegoria da caverna, de Platão? É uma alegoria de intenção filósofo-pedagógica, escrita pelo filósofo grego Platão, na obra intitulada “A República” (Livro VII). Pretendia exemplificar como o ser humano se pode libertar da condição de escuridão, que o aprisiona, por meio da luz da verdade. Em termos simples, a alegoria falava de pessoas que, acorrentadas viam nas paredes das cavernas, umas sombras provocadas pela luz de uma fogueira. Platão dizia que, para os prisioneiros, aquelas sombras eram a sua realidade, dado que não conheciam outra. E que, se um dos prisioneiros fosse libertado e forçado a olhar para o fogo e para os objetos que faziam as sombras, a luz iria ferir os seus olhos e tentaria voltar para a caverna, para aquilo a que estava acostumado, podia ver e acreditava.

Os holofotes da Comunicação Social também nos oferecem “sombras” que nós tomamos por verdades absolutas. Somos eternos “prisioneiros” e não nos damos conta.

Quando frequentei uma pós-graduação em Marketing Político, um professor da Universidade de Madrid, que trabalhara nos serviços de inteligência da NATO (já na reserva),disse-me algo que nunca esqueci: “A Coca-Cola é brincadeira. As grandes campanhas de marketing, começam, quando começam as notícias!” Depois enunciou vários acontecimentos internacionais em que ele tinha participado militarmente, e fez-nos compreender como todos tínhamos sido enganados. A invasão do Iraque, a guerra no Kosovo, e outros tantos acontecimentos… durante dois dias estive colado numa cadeira a ouvi-lo, incrédulo. Como um “prisioneiro libertado” em que a luz lhe feria os olhos, a luz do saber, do entender, do aperceber de que a realidade não eram as “sombras” que nos tinham sido oferecidas pela Comunicação Social.

Hoje, muitas pessoas continuam a não querer olhar para a luz, preferem continuar a acreditar nas versões oficiais. Preferem voltar para a “caverna” onde se sentem mais confortáveis. Querem acreditar que uns são os “bons” e os outros os “maus”. Parece-lhes mais aceitável o mundo. Como quando contamos contos de fadas às crianças, para eles poderem dormir sem medos.

Muita gente continua a ser uma criança grande, continuam a precisar que lhes contem histórias que os deixem dormir sem pesadelos. Não querem fazer perguntas com medo das respostas. Odeiam quem lhes dê uma versão diferente dessa história. Insultam quem se atreve a pensar, a dúvidar, a levantar questões.

Por mim, há muito que percebi, que a realidade do mundo não é a que nos contam. Não é, nem nunca foi. O mundo não é a preto e branco. E detesto tanto os ditadores como os hipócritas que nos contam histórias de fadas, os assassinos como os cobardes, os ditadores como os tiranos dissimulados de democratas. E detesto que, no fim, chegue sempre à velha frase: “The economy, stupid!”. É sempre a economia que movimenta o mundo, não os valores humanos, não o ambiente, não a democracia, não porra nenhuma de jeito, que não seja a economia. Somos tão estúpidos em acreditar no contrário. Já agora, acham que tudo o que se passa em torno da Ucrânia, é sobre o quê?

DEZ:22

 

 

 


Viajar é morrer… e renascer em tolerância!

Por vezes perguntam-me: se ganhasses o euromilhões, o que comprarias? Repito sempre que, comprava apenas bilhetes de avião. Viajar é uma das preciosidades da vida.

Escreveu Miguel Torga no seu “Diário” (1937) que, “viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.” É bem certo. Gosto da expressão “deixar de ser manjerico à janela”, ou seja, deixar a delicadeza da nossa zona de conforto, para enfrentar reptos, para enfrentar o desconhecido. Foi esse arrojo, que formou os navegadores que nos deram a época gloriosa da expansão marítima portuguesa. Exactamente, para falar destes intrépidos marinheiros, estive recentemente nas ilhas de Bali, Indonésia, a participar no Ubud Writers & Readers Festival.

É sabido que são umas ilhas de espantosa beleza, a internet mostra isso. Mas, para ver a paisagem humana é preciso estar lá e ter a ousadia de ir além dos resorts turísticos, contactar as pessoas, comer num restaurante de rua, andar de mota, vestir uma roupa tradicional para entrar nos templos, acender incenso… se vamos a Paris é fugir da torre Eiffel, se vamos a Londres temos de deixar de ver as horas no Big Ben. É preciso conhecer as ruelas longe dos cartões turísticos, onde estão as pessoas reais e a cultura local. Este mergulho noutras culturas nunca deixa que regressemos iguais. Vou guardar de Bali a generosidade da natureza e das pessoas. A simplicidade daquelas gentes que, nos acolhem com sorrisos, nos mostram os seus deuses, e partilham a sua alegria pelas ruas.

O festival de Ubud reuniu mais de 150 escritores e investigadores de todo o mundo – também músicos e pintores -, e teve umas largas centenas de participantes. E neste caldo cultural com variadas gentes a defender as suas culturas e os seus pensares, foi importante notar o clima de partilha e contentamento que se vivia. Havia um denominador comum: a tolerância, a que Gandhi chamava “a lei de ouro do comportamento humano”.

Não deixa de ser contrastante com o que se vive hoje no mundo, onde crescem os extremismos sociais, ideológicos e económicos, onde a violência das ruas e as guerras entre povos ganham uma dimensão assustadora. Temos de travar esta onda gigante e avassaladora. “Há um limite em que a tolerância deixa de ser virtude”, ensinava Edmund Burke. Mas, é preciso viajar para vermos que há mundos diferentes daqueles que nos entram em casa pela comunicação social sedenta de sangue e ódio.

Perceber que o entendimento entre pessoas de diferentes origens ainda é possível e enriquecedor. Queria deixar-lhes aqui esta mensagem de esperança, talvez ingénua, mas que muito me alentou após esta viagem onde me pude desfazer em espanto pelo mundo além. Séneca dizia que quando fugimos, seguimos em companhia de nós próprios e rematava: “é de alma que precisas de mudar, não de clima.” Mas, meus amigos, mudar de clima ajuda muito ao renascer da alma que viaja connosco.

OUT:22


A educação devia ser uma pasta do primeiro-ministro.

Há bons e maus professores. Sempre foi assim, e sempre será. Tive professores que me acrescentaram e outros que me diminuíram. Outros, nem sequer os recordo. Fui o orgulho de uns e a decepção de outros, pois nós também somos resposta ao que nos oferecem. E, confesso, sinto remorsos por não ter correspondido ao esforço de alguns, sobretudo no secundário. Lamento.

Mais do que entender as matérias — quero acreditar que todos estavam capacitados —, foram as suas posturas humanas que fizeram a diferença. Recordo os que me captaram a atenção, me motivaram, me deram uma nova visão do mundo, e me elevaram pelo seu esforço e exigência. Recordo os que tentaram e deram o seu melhor, mesmo que eu não tenha correspondido à altura.

No curto espaço de tempo em que lecionei no Instituto Politécnico de Setúbal, procurei ser diferente. Não sei se consegui deixar a marca em alguém, mas esforcei-me nesse sentido.

Ser professor é algo nobre, pois ajuda a moldar seres humanos e a preparar gerações. O futuro do nosso país depende das pessoas que hoje estão nas cadeiras das escolas, nas salas das nossas universidades. Mais que o país, diria o mundo.

Por ser uma profissão honrosa, havia muitos candidatos. Durante anos, muitos candidatos ficavam sem colocação. Agora, a realidade é outra — faltam professores. Em Portugal e na diáspora.

“Do nosso lado, as coisas estão muito bem preparadas, mas há uma nuvem negra no panorama educativo nacional que pode ter implicações no decurso do ano letivo”, disse à Lusa o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.

O que levou a tudo isto? Creio que um longo caminho de erros, em que se perderam pessoas e capacitações: a precarização das condições de trabalho, em que a classe foi perdendo regalias e ganhos salariais, o facto de ficarem colocados longe de casa e assoberbados de burocracias, o enfrentarem novas realidades sociais que levam ao desgaste físico e mental dos profissionais do ensino.

Um traço simplista, reconheço. Esta é uma realidade muito complexa. Mas, a verdade, é que fomos perdendo professores, bons professores. Fomos ficando com professores desanimados e desmotivados. Aos poucos, fomos ficando com professores sem vocação e impreparados pedagogicamente. Hoje em dia, os bons professores vão escasseando, estão cansados e desgastados. Outros estão doentes, e muitos a rezar para que chegue logo o tempo da aposentação. Quem coloca em si patamares de exigência, sente que não tem condições para se manter ou regressar à docência. Por isso se afastam quando podem.

Acontece que, a falta de professores, ou a desqualificação da classe, é um problema grave. Não se trata de uma profissão qualquer — esta é uma área estratégica. Ao descuidar a formação das novas gerações, estamos a minar o futuro do país, a capacidade de ter uma sociedade formada, com inteligência crítica, com valores morais e sociais, com preparação técnica e humana para desenvolver o país. Eu diria mesmo que, a educação devia ser uma pasta sob a responsabilidade directa do primeiro-ministro.

SET:22

 


 

Um livro de filosofia como paraquedas.

Perguntam: qual foi o livro da sua vida? As pessoas respondem sempre com grandes clássicos da literatura universal, a ‘Bíblia’, ‘Os Lusíadas’, ‘Guerra e Paz’, ‘Moby Dick’, ‘A Divina Comédia’ ou um qualquer romance de Fátima Lopes. Também já dei por mim a responder ‘Os Maias’ e coisas parecidas. Acredito que estes livros podem ter um impacto tremendo em quem os lê, que podem mudar pensamentos, linhas de vida.

Um dos escritor que mais me influenciou foi Edgar Rice Burroughs. Talvez não saibam que é, mas foi o criador do “Tarzan” – uma longa colecção de livro entusiasmantes que ainda guardo na minha estante. Muitos li-os na biblioteca municipal da Covilhã. Enquanto outros jogavam á bola, foram tardes e tardes de leitura, que me alimentaram o imaginário e a força da escrita. Os livros dependem também da altura em que os lemos. Por razões evidentes, ‘Memórias de uma Cantora Alemã’ de W. Schroeder-Deurient, teve em mim um impacto na juventude, que hoje não teria.

Outros influenciaram a minha forma de escrever, como é o caso de Aquilino Ribeiro, que me encheu a cabeça de palavras. Quem me libertou dos clássicos, foi António Lobo Antunes. Marcou-me profundamente, da mesma forma que algumas “grandes vozes da nova literatura portuguesa”, não me beliscaram em nada e deixei os seus livros por acabar de ler. ‘A Insustentável Leveza do Ser’ de Kundera marcou a escrita do meu primeiro romance – e, hoje, não encontro esse livro nas minhas prateleiras. O que me recorda que não se devem emprestar livros.

Por falar nisso, observando as prateleiras lá de casa, dei com a lombada meio rota (sinal de uso) de um livro do meu 10º Ano – “Temas de Filosofia, de Maria Luísa Guerra. O que faz um manual escolar entre as minhas obras predilectas?

Simples. Foi um livro que aos 15 anos me marcou, me abriu a mente, me mostrou uma outra forma de olhar o mundo. Diz um conhecido pensamento que: “A mente é como um paraquedas, só funciona depois de aberta”. A frase é atribuída a Thomas Dewar, a Albert Einstein, a Matheus Rocha (seja ele quem for, não faço ideia), a Frank Zappa, a Clarice Linspector, enfim… o importante é que regista uma grande verdade.

Este livro, foi ficando na minha biblioteca porque me abriu os horizontes para Sartre, Kant, Nietzsche… um simples manual escolar, mas que foi o despoletar de interrogações sobre a condição humana, o papel de Deus, a relevância da arte… Depois deste livro, com imensos excertos de verdadeiros clássicos, nunca mais voltei a ser o mesmo. Que obra se pode orgulhar de mudar tanto uma pessoa? Um livro “simples” escolar.

Também foi interessante, ver que folhas marquei: “Os valores éticos no humanismo contemporâneo”, “As relações do homem com a divindade”, entre outras…

As frases que sublinhei: “O homem é uma corda estendida entre a besta e o super-homem, uma corda sobre o abismo” (Nietzsche). Imaginem um jovem de 15 anos, de formação católica, a interrogar-se se a existência de Deus era uma verdade evidente, demonstrada, indiscutível? E a ler que “A fé é diferente da prova” (Pascal) e que “um Deus Provado não é Deus; seria apenas uma coisa no mundo” (Karl Jasper) e que seria “uma blasfémia” (Maeterlinck) supor que pudesse entrar no nosso entendimento. Por outro lado, Sartre a dizer que “estamos sós”, e o homem está condenado a ser livre. “Condenado porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer…” Existir é decidir – sublinhei. Textos que falavam de que recusando Deus, o homem sempre procurava Deus, mesmo que Nietzsche grite em alemão: Gott ist tot – “Deus está morto” e nos desafie: ”Sê tu próprio!”

E a justiça? E o Estado? E o belo? E a perturbação da arte? … Um livro aberto, uma mente que não voltou a ser a mesma. “Qual foi o livro da sua vida?” – que posso eu responder? ‘A Odisseia’ de Homero? ‘Dom Quixote de la Mancha’, de Cervantes? Ou um “simples” livro de temas de filosofia do 10º ano?…

Agosto.22


Quando foi que ofereceu um livro ao seu filho?

Em 2021, 61% dos portugueses não leu um único livro. E dos que leram, 39% confessam que leram muito pouco. Os chamados “grandes leitores”, os que leem mais de 20 livros, são apenas 1%.

Viciadas em redes sociais, as novas gerações, não vão ajudar a melhorar os números, antes pelo contrário. Só querem mensagens pequenas. Tudo o que tenha mais de 5 linhas já parece ter a complexidade d’“Os Lusíadas”. Se por obrigação escolar, precisam de ler um livro, procuram um resumo na internet e, de preferência, um vídeo no youtube que lhes conte a história. Não falo de todos, é claro, mas de uma grande maioria.

Houve gerações que estavam afastadas da cultura dos livros, porque não sabiam ler ou não tinham acesso a bibliotecas. Faziam sacrifícios para se cultivarem e poderem comprar um livro. Hoje temos ensino básico para todos, livrarias, bibliotecas. Não há desculpas. É preciso dizer claramente: hoje, não ler é uma opção. E como todas as decisões de vida, tem as suas consequências.

Ler exercita a mente, activa a memória, desenvolve a compreensão, fortalece a criatividade, enriquece o vocabulário, melhora a escrita, aumenta a concentração, proporciona conhecimentos, valoriza uma pessoa tornando-a mais culta e comunicativa, integrando-a melhor na sociedade e nos meios profissionais. Dirão que ver filmes e séries tem o mesmo efeito. Não é verdade. Porque a imagem em movimento torna-nos passivos, não nos exercitam tanto a mente. São bons complementos – eu vejo inúmeras séries, mas não substituem a leitura atenta. Só que para isso é preciso encontrar um tempo de paz e sossego, de concentração, e a sociedade actual está formatada para o barulho, para os telemóveis, para a internet, para a televisão de apresentadores aos gritos para chamar a atenção, para os festivais…

Consequências: um dia mais tarde, verão os problemas neurológicos que esta abstinência lhes produz e no presente, podia referir confrangedoras entrevistas de emprego com jovens que não sabem articular ideias simples, ou dar conta de e-mail que não se distinguem de más conversas de café, mas não quero ser demasiado crítico. Prefiro concentrar-me nos muitos que gostam de livros, de discutir ideias fundamentadas em conhecimento, escrevem os seus textos e declamam os seus poemas… e sabem porque é que estes jovens são diferentes? Porque tiveram diferentes exemplos e diferentes exigências em casa.

Voltando ao estudo referido, a grande maioria dos inquiridos assume que os pais nunca os levaram a uma livraria (71%), a uma feira do livro (75%) ou a uma biblioteca (77%). Por outro lado, 47% assumem que os pais nunca lhes ofereceram um livro e 54% afirmam que nunca lhes leram um livro de histórias. As novas gerações ainda são responsabilidades nossas. Por isso pergunto: e você, quando foi que ofereceu um livro ao seu filho?

Julho.22

 


 

Os “Cretinos Digitais”

A descoberta é simples e assustadora. Estamos perante uma nova geração em que, pela primeira vez, os filhos terão um QI — Quociente de Inteligência inferior ao dos pais. Isto significa que estamos perante um ponto de viragem na evolução e que o ser humano está a regredir em termos cognitivos e na sua capacidade intelectual. Não é uma opinião, são estudos neurológicos que o comprovam.

Já o biólogo e neurocientista Fabiano de Abreu, tem chamado a atenção para este retrocesso. Ainda no mês passado, chocou as pessoas numa intervenção na APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas, em Coimbra, onde partilhei o painel com ele. O facto de os jovens terem uma exposição excessiva aos diferentes ecrãs está a torná-los passivos, e perdidos num turbilhão de informações estéreis e isso não lhes exercita o cérebro. A pandemia e o recolhimento dos jovens veio agravar esta situação.

É estranho, pois parecia que as novas gerações eram até bem mais avançadas. Qualquer criança já mexe com um telemóvel com maior facilidade que um adulto. Acontece que esta componente prática da utilização das novas tecnologias é diferente da capacidade de entender e gerir os conteúdos. Os jovens têm toda a informação na ponta dos dedos, de uma forma democrática e livre, mas isso não os deixa mais inteligentes, pelo contrário.

O neurocientista francês Michel Desmurget fala mesmo em “descerebração” a uma escala inédita e disso nos dá conta no livro “A Fábrica dos Cretinos Digitais”. Aponta o dedo à indústria dos videojogos e redes sociais que, na sua generalidade, não oferecem nada de positivo, mas os jovens passam mais tempo nas redes sociais que na escola, o que é preocupante. Cita mesmo Chris Anderson, ex-editor da revista Wired, em que ele diz que, numa escala do açúcar ao crack, os ecrãs estão mais perto do crack. E assim, perante esta droga de entretenimento, não tem dúvidas em recomendar tempo zero de ecrã antes dos seis anos e depois dos seis anos, não mais de 30 minutos por dia (incluído a televisão).

Segundo ele, os jovens ficam sedentários e introvertidos, o que lhes traz problemas de saúde e sociais, perdem capacidade de concentração, de leitura e, sobretudo, de interpretação. Alerta para os défices de linguagem das gerações que entraram nas universidades, e a sua capacidade de absorver informação.

Basta olharmos para as nossas próprias redes sociais, para percebermos que ninguém lê mais de três linhas. Mesmo assim, fazem comentários absurdos, de quem não entendeu ou não leu até ao fim.

Não serei tão radical como Michel Desmurget, mas que algo terá de ser feito para travar esta alienação digital. Os jovens precisam ter uma vida além do ecrã, uma vida activa para o corpo e para a mente. Ler um livro é mais cansativo que ver mil coisas na internet. Exige capacidade de concentração, disposição para exercer uma só coisa durante um certo tempo, uso activo do cérebro na leitura, interpretação e imaginação. Conversar com as pessoas também forma a nossa capacidade emocional e relacional. Mas ir na onda do ‘Scroll Down’ é uma alienação de horas sem grande retorno que não seja o simples passar do tempo, de forma passiva e que em nada exercita o cérebro. Tudo o que não se exercita, morre. Aqui fica a chamada de atenção.

Maio:22

 


Portugal é uma diáspora

Portugal é uma diáspora, mas este povo disperso, deve levar uma bagagem cultural para o caminho. As bússulas apontam a norte, e é a partir dessa referência  que todos os outros latitudes são traçadas. Todos nós precisamos de um ponto referêncial para nos reconhecermos como pessoas, todos nós precisamos de um sólido ponto de Arquimedes para nos alavancarmos como povo. Essa referência é a nossa terra mátria, Portugal – o país com as fronteiras mais antigas da Europa.

E um país é a sua cultura (popular e erudita), formada pela história, tradições e saberes, pelos seus vultos nas diferentes áres, pela sua personalidade colectiva pelo seu pensamento nacional. Por isso, onde quer que se esteja – Europa, África, Ásia, Américas -, é imprescindível cuidar da língua materna e estar atento ao pulsar do país. É a nossa origem e, sabemos, que todo o porto de partida influencia qualquer viagem…  e ser português é, decididamente, ter um olhar diferente e peculiar sobre o mundo.

Mas a cultura de um povo é dinâmica, desenvolvida aos longos dos tempos num persistente processo de transformação e adaptação a um mundo em mudança. Há valores que se dissipam e outros que se somam ao sabor de novas eras civilizacionais. O que significa, que esse povo português disperso pelo mundo, são linhas avançadas na mudança desse paradigma cultural. Quer regressem ou não a Portugal, serão influenciadores do que é ser português e da sua cultura. Portugal foi diferente depois de alguns intrépidos terem ido às Índias ou descoberto o Brasil, da mesma maneira que nos transformamos enquanto povo, quando outras arrojadas geração vão para França, Alemanha ou Suíça… os emigrantes não levaram Portugal – são Portugal.

Maio: 2021