Carta 8 (pág. 196) _________________
“Gaivota,
Santiago estava feliz. Quando alguém nos dá a mão dá-nos um mundo, e ele levava um novo mundo pelo mundo, noite dentro, pensando como tudo é longe e distante quando perdidos na ânsia de amar alguém. Os passos que me levam ao teu corpo parecem-me eternos, dizia-lhe ele em silêncio. Quando chego a ti? – perguntava sem palavras. Só os ruídos dos beijos quebravam o silêncio. Os beijos e os passos na calçada, em que as luzes dos lampiões se apagavam na sua passagem. Porque se apagam as luzes? Porque se acendem os desejos? – pensava Santiago.
Porque não nos amamos aqui na calçada do passeio? Primeiro nas pedras brancas e depois nas pedras pretas e assim sucessivamente até casa? Quantas pedras temos para nos amar, da beira-mar à beira-cama? Da beira-quero-te à beira-tenho-te? Quantas pedras? Brancas? Pretas? Quantas?
Emília, tenho sede da tua pele, da tua pele mais branca, mais íntima, mais húmida, mais virgem, da tua pele mais pecadora, da tua pele mais pele, da tua pele de corpo, nua, crua, onde possam chover beijos da minha língua sedenta, lambidos, desavergonhados à beira-das-bocas em que se entra em ti, à beira-de-dentro-de-ti.
Quero meter as minhas mãos por entre as tuas pernas, subir por elas e encontrar a tua roupa interior húmida. Não, Emília, não feches as tuas pernas, deixa-me acariciar-te, sentir o acamado dos teus pêlos a transpirar na minha mão, deixa-me conduzir os dedos numa rotunda lenta que te arranca gemidos, enquanto te mordo no pescoço, te absorvo os lábios, te deito no relvado do jardim. Molhado. Como molhado está o teu sexo por dentro; adivinho-o na ponta dos meus dedos, nos teus suspiros.
Como serão os teus seios? Perguntei-me tanta vez. Como são os teus seios? – pergunto agora. Deixa-me despi-los, esquece o frio, esquece a blusa branca, esquece este sutiã de rendas que os meus dentes mordem, esquece o poste que se iluminou de novo. Deixa-me afundar os lábios no vale dos teus seios, deslizar por ele, abrir caminhos, encher as mãos da tua pele fina. São grandes os teus seios, Emília, enchem-me a mão, sobram-me da mão, como bolas de gelado a sair dos cones de bolacha; e eu vou lambendo em redor, para não perder migalhas do teu sabor. Agora já sei como são os teus seios, a que sabem; já sei que sobram das minhas mãos de bolacha, sabem a amêndoa, e têm no alto uma moeda de chocolate que se desfaz na minha boca, sorvo a sorvo.
Adoro o teu sabor; adoro o teu cheiro. É um cheiro fresco como a erva molhada onde estamos os dois a beber o prazer urgente que nos assaltou. Era inadiável este amor de carne, aqui e agora, à beira dos amores-perfeitos, das petúnias, das rendas íntimas da tua roupa já despida na erva molhada – como tu.
E a minha boca desesperadamente a beber a tua, e os meus dedos felizes nas mãos embriagadas pela tua pele, enquanto me despes – te atrapalhas com o cinto, com os botões das calças, mas me despes -, senhora de ti e do que queres, e me agarras à mão cheia o inflamado íntimo do meu desejo e me puxas para ti, para dentro de ti, para o mais fundo de ti, o fundo bem fundo de ti, onde o corpo não se acaba e o teu lume se acende e me abrasa; os teus lábios a bordar suspiros nos meus ouvidos, os teus braços a medir forças nas minhas costas, as tuas pernas como tesouras nas minhas ancas e eu, repetidamente dentro de ti, a costurar o prazer de te amar o corpo.
Ainda tenho flores a rebentar dentro de mim, olha-me, vê as flores de fogo a assomar aos meus olhos. Vê como rebentam flores dentro de mim – o fogo, a luz, as cores. Vê como todo o meu corpo está aceso nos suspiros que bordas nos meus ouvidos. E eis que me abandona a uma última vaga de mar, espuma branca, e chega a grande explosão, a flor maior derramada em mil cores no teu ventre, e o teu suspiro bordado a ponto cruz no meu suspiro, um intenso suspiro a dois e um silêncio ofegante, transpirado, apaziguador…
Emília… ouve agora o silêncio dos corpos saciados, escorregadios, regados de carícias na noite, agora que a luz se apagou de novo no poste e escondeu esta nesga de jardim molhado onde os nossos corpos, molhados, fazem companhia aos amores-perfeitos, às petúnias, às flores de renda da tua roupa íntima caída na relva. E o ar da noite gela os nossos corpos semi-nus por fora, mas que ardem em nudez completa por dentro.
Veste-te, Emília, eu ajudo-te com a roupa em silêncio, e tu ajudas a vestir-me também, para depois tão rapidamente nos despirmos e nos amarmos na calçada, primeiro nas pedras brancas e depois nas pedras pretas e assim sucessivamente, assim sucessivamente até chegarmos a casa, onde nos amaremos de novo.”
João Morgado IN: Diário dos Imperfeitos
Romance, 2017, Casa das Letras (LEYA)
Prémio Literário Virgílio Ferreira 2012
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«Uma verdadeira teoria do Amor. Este livro sacode-nos!»
– Margarida Gil dos Reis – Professora de Literatura Comparada