“Dizem-me que voltas, marinheiro….”

A mulher-pátria vê regressar o seu marinheiro carregado de glória, mas ela sente-se frágil e morta... - "Olho em volta, só vejo mulheres desamparadas como eu, filhos desgostosos, velhos salgados… Quem nos ajuda a erguer o corpo para te receber?"

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Photo @farhan_gino_
IN: Porto de Saudade (Poesia) A mulher-pátria vê regressar o seu marinheiro carregado de glória, mas ela sente-se frágil e morta...

(…)

Será que as minhas preces foram ouvidas?… Dizem-me que voltas, marinheiro… dizem-me que voltas! Que a tua caravela se avista do cais. É verdade que o teu corpo não ficou no mar de todas as tormentas. É verdade que voltas? – Obrigado meu Deus!

Dizem-me que a embarcação já não é de madeiras, mas de oiro. Dizem que as tuas mãos estão cravejadas de pedras preciosas. Por certo, o povo vê com os olhos da imaginação!

Dizem-me que agora és rei de outros reinos? Que as cinco quinas dominam novos mundos, que a tua espada é de prata e as vestes ricas como as de Sua Majestade el Rei…

Agora, que devo eu vestir para te receber no cais? Reconhecer-me-ás nestes andrajos?

Neste corpo magro e seco? Nestes olhos mortiços? Reconhecerás esta folha sem viço que sobrou da Primavera do nosso amor?

Quem me ajuda… quem ajuda a erguer este meu corpo ferido? Quem me ampara? Quem me dará o braço até ao cais? O castelhano que me ultrajou? O genovês que me roubou? Vê como estou morta por dentro e sem amparo. Vazia de ti, marinheiro, por não te ter. Olho em volta, só vejo mulheres desamparadas como eu, filhos desgostosos, velhos salgados… Quem nos ajuda a erguer o corpo para te receber?

(…)

 

João Morgado

In: Porto de Saudade 

Ed. Arandis 2015

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Prémio Literário de Poesia Arandis Manuel Neto dos Santos

 

 


 

“O silêncio que me abraça”