Quando se assinalavam nove anos da morte de José Saramago, o único Nobel de literatura em língua portuguesa, 18 de Junho, estive na sua casa, na ilha de Lanzarote, onde o romancista viveu os últimos 18 anos de vida. “Blimunda”, assim se chama a casa, como a visionária personagem do “Memorial do Convento.”
Como escritor senti uma emoção especial ao partilhar o universo pessoal onde Saramago criava as suas obras. Tocar no teclado do computador onde escreveu “Ensaio da Cegueira”, entre outras obras, é mais do que tocar num teclado, é um gesto de intimidade com o autor…

Conhecer os seus quadros, as suas colecções de cristos, ou de cavalos, a manta que punha nos joelhos quando escrevia, tudo isso reflecte o homem em si. A sua enorme biblioteca, a cadeira do jardim negro onde contemplava a paisagem ao fim do dia, tudo isso ajuda a compreender Saramago, o seu refúgio, até a sua forma de olhar a ibéria e o mundo.
Foi um prazer poder vaguear na sua biblioteca, no seu escritório, ver os seus livros, os seus objectos pessoais, ajuda-nos a compreender melhor o autor e até o rumo da sua obra. Ele disse que o seu estilo de escrita se alterou desde

que foi viver para Lanzarote. Agora, estando cá, compreendo-o melhor, a ilha de Lanzarote, negra, vulcânica, tem uma personalidade própria. Esta paisagem tem que influenciar quem cá mora…!
Saramago gostava de nadar na piscina e sentar-se no seu jardim negro, numa pequena cadeira, com os pés sobre uma pedra vulcânica, para olhar esta paisagem. Um jardim que ele fez medrar das pedras, para onde transportou areia e arvores – entre as quais oliveiras portuguesas.
A casa é gerida pela Fundação José Saramago que procura preservar e difundir toda a obra do Nobel. A obra é indissociável da sua vivência, do seu mundo, do seu entorno, da casa onde vivia, criava, recebia amigos e outros criadores.
Por aqui passaram Bernardo Bertolucci Eduardo Galeano, Siza Vieira, Pedro Almodóvar, Mário Soares, Sebastião Salgado… por certo todos comeram e beberam na cozinha da casa em, como bom ribatejano, transformou em lugar informal de partilha e comunhão. Quando ali tomei café português, vi os guardanapos bordados e os imans com fotos na porta do frigorífico, percebi que aquela era uma casa portuguesa, com certeza, uma embaixada portuguesa.
Tive a oportunidade de ler em voz alta um excerto da sua obra, li outros em voz baixa, outras passagens de memória assaltaram-me ao olhar para os objectos que povoam aquela casa onde Saramago ainda mora…