Poema na colectânea relativa ao Café de Santa Cruz, 2016.
Foi uma igreja. Já não é.
É um templo sem culto, sem altar.
Mas se entramos, há hossanas, Salve, Ave,
uma vontade de a gente se persignar.
Há uma oração de pedra nas abóbadas,
madeiras curvas a orar,
uma devoção que medra, uma luz velha no olhar.
Para essa luz de Deus habitar o homem
basta um corpo franco, uma alma nua,
há pois um vitral que reluz,
que em Santa Cruz,
os cónegos louvavam o sol,
mas veneravam a lua.
– Sai um Crúzio!
Eis o pecado dos ovos, do açúcar e da amêndoa laminada!
Só mudaram os regrantes, os crentes e os passantes
mas é ainda gente de vulto que aqui se curva e vem orar
ainda que a devoção tenha mais sabor a pecar.
Mas se hoje é mundano o lugar que foi de culto
sai um doce e um indulto, que Deus sabe perdoar!
João Morgado IN: “Em Nome do Teu Nome”, Ed. Café de Santa Cruz, Coimbra, 2016
