PREFÁCIOS

511
Sol, Pintura a Óleo, 2003, © João Morgado.

como uma laranja por abrir

Em “Nuvem Que Passa Devagar”, há uma sensibilidade clássica na poesia de Carlos Campos, mas que ele procura disfarçar na sua escrita sem adornos ou atavios, buscando na singeleza a voz íntima e confessional dos seus poemas. Sofre da doença congénita dos poetas – nasceu com amor a mais. Mas o romantismo latente das suas palavras não se afunda em melancolia, antes revela um amante adulto – aqui estou, o homem que procuras – diz na abertura do livro. E é a partir desse homem-feito, salvo das agruras, desse EU, que a obra é construída. Como se fosse um testamento, uma vida ditada brandamente, em sussurro: Vem cá meu secretário, para registar fielmente, as palavras…

E, na primeira pessoa, Carlos Campos fala-nos desse homem que veio do mar e que, tanta vezes, se confunde com o próprio mar, a quem quer sorver a força e a infinitude. É desse EU-mar, que espalha as palavras poéticas até à praia, onde procura passos na areia – sei-te aí, sinto-te. É aqui que principia a dialética que afronta o peso da ausência e do despotismo do tempo. Todos os dias te espero. Enquanto não chegares, os dias não serão todos. Ou seja, a dialética singular com o outro lado dos afectos. Até o EU-mar precisa de margens onde estender a espuma das ondas num amor feito de chamamentos. Aí a contemplar o movimento das ondas ficas longamente, escreve ele, à espera na linha do mar.

E porque espera esse corpo quieto como um recorte, plasmado na praia? Porque espera esse outro alguém, essa margem que complementa os afectos do poeta? Espera metaforicamente pela noite – o vocábulo que mais se propaga pelo livro. Todos os dias são escassos. Sem as noites, sem abraços. A noite é, pois, o lugar da íntima humidade dos encontros, desses abraços que demoram na impaciência de todos os amantes. O cobertura misteriosa da noite aviva as emoções, é símbolo de recolhimento, de pureza, de entrega, de sentir. Talvez porque é a ausência da luz, ou seja, do mundo que a todos rodeia e em que o amor parece acossado pelo juízo dos dias e das gentes. À multidão que nos disfarça sobrevém a turba que nos separa – conclui.

A poesia de Carlos Campos parte de si, para chamar e afastar, para chamar a intimidade e afastar a turba, para chamar a noite e afastar o dia, porque é assim que as emoções lhe arrepelam os sentidos, e lhe adensam o sentir poético.

Nos emotivos poemas “Entre o Céu e a Terra”, tenta esquecer a linha romântica (mas não consegue). São outras as cores com que se pinta – mais negras, mais cruas – pois são um olhar para o mundo onde ninguém desenha o paraíso. Um mundo de guerras, de crianças famintas, de cinzas, de sofrimento, de velhos a ler livros por entre o ranger das memórias, porque lembrar é um sortilégio de que os tristes não descansam. O mundo real e, tantas vezes, desumano que nos rodeia e onde só os poetas parecem ter esperança no impossível.

Os “Poemas do Rio” já nos correram nas mãos, em tempos, e foi foi re-encontrar a sua fluidez húmida, um rio companheiro, um rio entre rios, que um dia desaguaram juntos, companheiros, orgulhosos de ser mar.

Mas para mostrar a sua veia criativa, esse homenzinho de gravatinha que é o poeta, guardou ainda para o final a diabrura das palavras divertidas, no desvendar de uma criança de calções e joelhos rasgados, que o tempo agrilhoou debaixo de uma roupa de gente grande, mas que gosta de catar os bicos do cato, e atirar pedrinhas as janelas, e brincar com tesourinhas, palavrinhas de encantar cheias desses ésses, que sibilam, sorriem, sentem, semeiam. Desses ésses com que Carlossss Campossss escreve poemassss que se saboreiam e sabem bem. Tão bem!

Deixo um abraço apertado, como uma laranja por abrir

João Morgado

Prefácio IN: “Nuvem que passa devagar”, (Poesia), Carlos Campos, 2020

 

 

 


O caminho para as origens

Manoel de Barros foi um menino de pés descalços. A poesia veio do barro que pisava, e, por isso, sempre se manteve um poeta-chão, agarrado ao que sentia e como o sentia. “Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.” Foi esse encanto que lhe deu dimensão, que o tornou um mestre. Talvez um “mestre ingênuo”, como chamavam ao Alberto Caeiro, o “Pessoa” anti-metafísico, que menosprezava os grandes pensamentos filosóficos, asseverando que, pensar era “estar doente dos olhos”. Manoel de Barros também se agarrava às sensações, ao palpável, como a sua fonte de realidade. Ele imiscuía-se na natureza para fazer parte dela, para enaltecê-la.

“Poesia não é para compreender, mas para incorporar. Entender é parede: procure ser árvore.”

“Educação Ambiental, Poética e Fenomenologia – Uma Cartografia do Imaginário nas sendas de Manoel de Barros e Gaston Bachelard”, (Tese de Mestrado), Sonia Palma, 2015.

Por outro lado, Gaston Bachelard não foi um menino de pés no chão (até porque seu pai era sapateiro). Esta separação dos pés ao barro que pisava acabou por levá-lo para outros caminhos. Mais do que imiscuir-se na natureza, acreditava que era preciso resistir-lhe para compreendê-la. Era preciso travar as sensações primárias que tudo distorciam, pois todo o conhecimento era “uma resposta a uma pergunta”. Ou seja, a realidade não era o mundo, mas o que dele se inferia pela ação do pensamento, pela epistemologia.

“O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro em água e luz. Depois, árvore”, escrevia Barros. “O real não é nunca aquilo em que se poderia acreditar, mas é sempre aquilo em que deveríamos ter pensado”, contrapõe Bachelard.

Temos dois homens de costas um para o outro, olhando em sentidos opostos. Nada parece fazer um traço de união entre ambos. Mas, para além do pensamento científico, Gaston tinha ainda o deslumbramento poético. O filósofo estabelecia roturas com o conhecido, enquanto o poeta, imaginava novos conhecimentos. “Imaginar é subir um tom na realidade”, assegurava. Ora, é neste cruzamento, entre a poesia de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston Bachelard, que Sónia Palma vislumbra a poesia aliada à filosofia como resposta a uma Educação Ambiental Ética.

“Caminhamos para uma Educação Ambiental nas vias de uma poética em comunhão com a filosofia, na ânsia de contribuir para as percepções de outras realidades que integram o ambiente, fazendo-nos refletir sobre a necessidade de voltarmos o olhar para o outro, com respeito…”

Apesar de os autores sublinharem as ambiguidades do universo, o desafio desta obra é demonstrar o possível “diálogo entre a poética de Manoel de Barros e a fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard”. Em uma subtil leitura da obra destes poetas, há um interlaçar do ideário de cada um para alcançar uma linha de convergência. Um desafio sempre sustentado e que nos indica a descoberta de um caminho.

“Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens”, refere Manoel de Barros, o que nos remete para o que a autora diz ser “a desconstrução da linguagem instituída para reaprender outras formas de ver o mundo”. Este é um excelente exercício de descoberta e de reaprendizagem.

João Morgado

Prefácio IN: “Educação Ambiental, Poética e Fenomenologia – Uma Cartografia do Imaginário nas sendas de Manoel de Barros e Gaston Bachelard”, (Tese de Mestrado), Sonia Palma, 2015. 


 

TRANSFORMAÇÃO COM BANDA SONORA

O partir, o chegar e as bagagens perdidas – a viagem interior na poesia de Carlos Granja

Este livro é uma interrogação em si mesmo – «que raio de criatura sou eu?» – uma longa pergunta interior. Por vezes a interrogar o outro fora de si, figura dos seus afectos, por vezes a questionar o outro no espelho, ou seja, a reflectir perante si próprio.

Numa linguagem solta, sem comprometimentos conceptuais ou estéticos, todo o livro é um despir de sentimentos. Mais que um despir, é antes um rasgar sofrido, o assinalar de chegadas e partidas, de «bagagens perdidas», de fugas e confissões, de não querer magoar magoando, de querer pedir perdão, de silêncios, de querer ficar, de querer cantar, de querer dançar, de querer partir de novo… «Quero ser livre mesmo que não possa voar»

E o que impede de voar esse eu condenado dos poemas?

«A corrente pressiona tudo à sua volta!», diz da sociedade que lhe pede alinhamento, bem parecer, camisa lavada. «Dobram-se noites e dias… Dobram-se esboços, casas, tectos, paredes em traços correctos. Dobra-se o filme, dobra-se o realizador». É a submissão aos ditames que regem os dias, as relações, os comprometimentos. «E tudo se aguenta com um sorriso? Às vezes não apetece!», por vezes a vida pede que se largue o talher, que se coma com as mãos, que se fique com os «beiços cheios de chocolate», desse chocolate que é felicidade interior de cada um. (Mesmo que se suje a camisa lavada).

“Rádio Pirata” (Poesia), Carlos Nuno Granja, 2016.

O eu dos poemas anseia pela libertação de todos os olhos que tem sobre si – dessa corrente que tudo pressiona. Anseia por estar «no meio de nenhures», onde «é bom ser ninguém», onde não sendo ninguém para os outros, pode ser ele para si mesmo, sem fingimentos. «Que sensação tão boa! Poder não ser eu sendo eu!»

Sente que só essa emancipação o pode levar ao encontro do sentimento maior: «Amor! Foi por ti que deixei o meu ser, que me deixei levar…». Um partir ao encontro dos afectos, dos «beijos que aquecem faces enregeladas», e que devem ser igualmente tão desprendidos quanto ele, para que os sentimentos possam ser partilhados em liberdade.

«Ah, como é tão bom conhecer este teu lado! Assim, tão escondido da sociedade».

 A banda sonora vem de uma rádio-pirata (de uma frequência libertadora do que está licenciado) que espalha palavras e sonoridades que acompanham cada sentimento, música dos anos 90, vestígios de uma época que se colam aos poemas, que dão intensidade às palavras, profundidade aos sentimentos.

Um desejo de mudança atravessa todo o livro. Mas como todo o ser em transformação, essa mutação é feita em sofrimento, carregada de dúvidas, de fragilidades, de inseguranças. «Quem me lê? Alguém está aí?». Por isso a obra é feita de partidas e de retornos aos lugares seguros, aos abraços que se conhecem bem, ao calor do acolhimento. «Tão precária a minha vida sem ti», confessa. É o reconhecimento da sua realidade, do seu chão, dos afectos que sempre foram seus.

São assim poemas «que explodem em palavras banais.» Que a poesia dos dias é para ser dita com as palavras do dia-a-dia, com a simplicidade esmerada de dizer o que há para dizer, não mais que isso; sem mais pretensões do que partilhar o que vai na alma, de uma forma aberta, com uma poesia limpa, sensitiva e intimista.

E porque a essência do poeta é refazer-se, recomeçar «do zero, abaixo de zero», surgirá de novo a dúvida – «que raio de criatura sou eu?». Mas também, por certo, uma nova maturidade de introspeção em cada ciclo de vida, que permitirá novas páginas literárias, novos desafios interiores e novas partilhas que se aguardam.

Amanhã os dias serão outros e as palavras também. Uma nova poesia para dizer à criatura que se interroga e se sente frágil:

«Se souberes o teu rumo (…) Não precisas de estar calçada. Podes vir com meias de lã…», que a vida é simples e «quanto mais simples é, melhor se navega!».

 João Morgado

PREFÁCIO IN: “Rádio Pirata” (Poesia), Carlos Nuno Granja, 2016.

 


 

Prefácio IN: “Sonhos com Asas”, (Conto), Paula de Castro Freire, 2016.

 


«EVOCAÇÃO DAS ÁGUAS»

Lília Tavares

– Apresentação do livro (Dia 26 de Novembro de 2015 – Lisboa

Quando se lê o livro de um amigo, amigo mesmo, corremos o risco de ler o amigo em vez de ler o livro. Corremos o risco de lhe ler os sentimentos pessoais em vez de….. ler os seus versos que falam de sentimentos. Corremos o risco de ver a dor que deveras sente, em vez de nos embebedarmos das suas palavras, do seu fingimento poético.

Confesso que… não consegui ler o livro da Lília sem a ler a ela, eu que gosto tanto de separar as palavras da terra, para que sejam palavras por si, para que sejam frutos libertos da árvore, da raiz…

Queria ler as palavras libertas da Lília. Queria que os poemas não tivessem o seu rosto. Mas “porque todas as palavras se saciam numa fonte”, e a fonte, ou diremos mesmo, a nascente, é a Lília, então é forçoso reconhecer as palavras que são dela, que tantas vezes lhe lemos, que tantas vezes lhe ouvimos…

E, pensando bem, talvez seja essa a primeira característica deste livro.

Despido de compromissos estéticos pré-definidos, ou seja, de caminhos forçados, este é o brotar natural da sua poesia. É a sua natural forma de expressão, a sua singularidade de comunicar…. A sua urgência em “escrever com todos os sentidos”.

Essa é a fórmula para se re-encontrar a si mesma, por isso diz:
“Uma a uma recolho todas / as migalhas de felicidade / que deixei espalhadas, dispersas…”

Não consigo deixar de ver a Lília no escreve, porque a Lília está nesta escrita de corpo inteiro.
Traz a sua vida apegada às palavras.

Sem grandes fingimentos, tem aqui plasmada a dor que deveras sente (ou a dor que eu lhe pressenti), e corre como água da nascente, contorna as pedras, segue caminho….

E se “a ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água”, dizia Teixeira de Pascoaes.

Assim, temos aqui por parte da autora, a evocação da poesia para dar liquidez às ondas que tem desenhadas dentro de si. Ondas de desejos, de ânsias, de pulsões, mas também de feridas, de amargura, de solidão. Sobretudo ondas que são convulsões para chegar ao outro, ao abraço, ao afecto. Essas ondas prenhas de poesia precisam percorrer o seu caminho, desaguar algures, desaguar em alguém…

“Estou faminta do teu colo e da tua pele.”, diz ela.
“Por ti me farei cascata ondulante / ou, como barro, me unirei às reentrâncias absurdas das águas / Não acharei paz dentro de mim se não puder caminhar a teu lado…”, diz de novo.

Ao desconcerto que existe nos seus sentires, vemos que a Lília oferece a ORDEM que existe na NATUREZA, no mar, nas montanhas, nos ventos, nos pássaros… estas são, sem dúvida, as suas referências de viagem.

Numa casa sem muros é na natureza que ela… quer correr para escapar às emoções corroídas pelo progresso, pelo dia-a-dia, pela civilização dos homens… é uma mensagem com um posicionamento estético interessante… vai beber em Sophia, mas sem a linha clássica da autora, e vai beber também em Caeiro, o seu encantamento pelo natural e pelo belo.

Há em toda a escrita uma certa ligação espiritual à natureza como uma procura incessante de paz…
“…no areal cansado dos meus dias”, escreve ela, “vieram chuvas risonhas que murmuraram segredos e promessas.”

– Que segredos? Que promessas?
Os segredos de amor, as promessas de paz, digo eu.

E porque “há águas que têm colo e dão descanso”, diz ela – “Quero viver hoje na tranquilidade das águas.”

As águas na sua poesia são sempre transitivas… levam, carregam, trazem, regam, são sempre acção, são sempre movimento.

Simbolicamente, são o caminho das emoções, dos afectos… É por isso que este livro é uma navegação sentimental à procura de um porto de abrigo. À procura da tal paz interior, do silêncio…

Aliás, ao longo do livro, usa tantas vezes a palavra “água” como a palavra “silêncio”
Este livro podia chamar-se: “A evocação do silêncio”
Pois se as àguas são o meio, o silêncio é o fim, é a foz…

“O amor há-de tocar os sinos do silêncio”, diz ela. É a metáfora da explosão silenciosa a que aspira por dentro, o repique dos sinos a calar os gritos interiores, a paz do encontro ou do reencontro, o desaguar das ternuras…

“Aliviados do peso desmedido da luz/ Adormecemos na claridade intensa / De um abraço prolongado / Feliz e tranquilo como o espreguiçar de uma onda / No areal / sem pressas / onde búzios de silêncios / Calam a maciez da pele que nos envolve.”

A poesia da Lília é assim como um saco de chá aromático. Para sabermos da sua força, foi preciso evocar água bem quente sobre as suas palavras, e perceber o seu mundo de poesia em que “uma estrela continua a ser um botão gigante seguro nas mãos brancas de um anjo…”

Cito, Pablo Neruda:
“…se amo os teus pés / É só porque andaram / Sobre a terra e sobre /O vento e sobre a água / Até me encontrarem.”

Isto mesmo alguém dirá ao ler este livro de Lília Tavares. Porque a sua escrita é caminho mas é encontro. Porque a sua poesia enche de água as ondas, e desagua em quem souber ser foz para as suas palavras…

– sejamos foz, amigos, sejamos a sua Foz!!

~João Morgado


Seguir o trilho da poesia

 

Cem poemas à Janela da Lua
“Cem poemas à Janela da Lua”, (Poesia), António José da Silva, 2015.

A poesia é viva, nasce no respirar dos poetas que amadurecem a cada poema. Criatura e criação são um só corpo. Em António José Silva importa realçar a forma como abraçou a poesia para a tornar parte de si e como tem crescido na sua capacidade de expressão dos sentires. Uma poesia cada vez mais solta, mais ritmada, mais sonora.

Diz-nos: “– Nunca serei rajada de vento.” Para depois o ser. Para alvoraçar as palavras, cada vez mais carnais. “Não me leias mais na alma, diz-me antes o teu sabor a desejo.” Este livro é um compêndio de poemas marcados pelas vontades íntimas, pelos anseios, pelo toque, pelo cheiro, pelo chamamento do outro (pontuado aqui e ali, por um poema de intervenção social).

O chamamento, enquanto efabulação do desejo, é uma temática sem tempo que não obedece à ordem cronológica de “um relógio cercado por noites”, mas unicamente à paisagem interior e intocável das memórias e das fantasias que o autor tem dentro de si.

“Os meus poemas, sebentas amarrotadas de segredos” – talvez por isso, para António José Silva, escrever seja o passar a limpo tudo o que sente, tudo o que precisa de trazer para a luz, para a partilha. O expor dos segredos, dos sonhos, das utopias, das quimeras, é o interagir com as musas que chegam e partem, que voltarão ou não. “Às vezes sei que voltas, nem que seja no porão da lua.”

O chegar e o partir, o ter e não ter, é o cerne destes poemas, numa contemplação da vida. “No dia em que escrevo não quero atravessar nenhuma rua”, diz o autor. Como quem afirma, quando escrevo não quero ir nem chegar: a escrita não é a vida, não é a acção, mas a contemplação de acções passadas, sentires de outrora; assim como a contemplação para estudar e compreender as acções futuras que pulsam no peito.

Ao ler estas páginas, vemos que o poema é para o autor um sentir que se recorda – passado – e um sentir que se deseja – futuro -, e como este livro de poemas é um espaço entre o que foi e o que poderá ser.

E avisa, “o poema que queres que te leia não está em nenhuma página.” Talvez porque o querer é presente e a escrita de António José Silva vagueia entre os tempos. O poema que se lhe pede estará sempre em falta. Por isso sabemos que depois deste livro outro virá, porque a partir de um determinado momento, para o autor, a poesia deixou de ser apenas escrever, e passou a ser um encarar do tempo sem envelhecer… já que os sentimentos são intemporais.

A força que é colocada na produção poética e na sua divulgação, mostram um homem que encontrou o seu caminho. Quantos se podem orgulhar disso? O desafio é seguir-lhe o trilho!

João Morgado

Prefácio IN: “Cem poemas à Janela da Lua”, (Poesia), António José da Silva, 2015.